Igualdade social à brasileira: o que (ainda) separa o discurso de Luiza Trajano da distribuição real de riqueza no Magalu
- MOSTB Editora
- há 10 horas
- 3 min de leitura
Em maio de 2025, numa entrevista ao Times Brasil – licenciado exclusivo CNBC, Luiza Helena Trajano reafirmou a convicção que repete há décadas: “Sempre me preocupei com a questão social do país; a desigualdade é um câncer que todos governo e empresas – precisamos curar” Dois meses antes, no B20 Summit, ela ecoara o mesmo tom: “A fome e a desigualdade não são só problema do governo; são responsabilidade de todos nós aqui dentro”

O Magalu realmente virou um laboratório de ações afirmativas: programa de trainee exclusivo para negros, cota de transição para mulheres em conselhos, rede de apoio a empreendedoras, campanhas contra a violência doméstica. Nada disso é trivial num varejo historicamente dominado por homens brancos. Mas, quando o assunto é redistribuição de capital – participação acionária ou partilha robusta dos lucros – a conversa muda de patamar: a família controladora continua dona de mais de 57 % do capital votante, e o grosso da valorização da empresa não chega à maioria dos funcionários.
Onde o Magalu já avançou
Indicador de diversidade | 2015 | 2019 | 2025* | Observações |
Mulheres em cargos de gerência | 26 % redalyc.org | 34,2 % (546 de 1 597)† | — | Crescimento vem desacelerando; empresa não divulga dado 2024/25. |
Mulheres no Conselho de Administração | 29 % (2 de 7) | — | 40 % | Acima da média brasileira (≃ 15 %). |
Colaboradores pretos ou pardos | — | 53 % (estável) | Mas só 16 % em liderança, segundo o próprio CEO |
*Últimos números públicos disponíveis. †Relatório Integrado 2019 (dados de pessoal).
Esses avanços sustentam a fama de Luiza Trajano como “empresária social”. Ela mesma ironiza: “Se ser socialista é querer igualdade, sou socialista desde os 10 anos”
Onde o capital ainda se concentra
Controle familiar e voto majoritário
Em março de 2024, a LuizaCaslu Participações e demais controladores subscreveram 66 % do aumento de capital de R$ 1,25 bi, elevando sua fatia votante para 57,2 %
No alto escalão, apenas dois Trajanos – Luiza (presidente do conselho) e seu filho Frederico (CEO) – concentram o poder formal de decisão.
Participação nos lucros (PLR) x participação acionária
Há um programa de PLR para todos os níveis, mas o pagamento oscila e raramente ultrapassa 1,5 salário/ano glassdoor.com.br.
A companhia mantém planos de opções de ações, mas eles são limitados a executivos e “colaboradores estratégicos”. Prova disso é o programa de recompra de até 10 milhões de ações aprovado em maio de 2025 justamente para “cumprir obrigações dos planos de remuneração baseada em ações” investidor10.com.br.
Não existe, até hoje, um ESOP (employee stock‑ownership plan) amplo nem um modelo cooperativo em que “qualquer caixa de loja” participe dos dividendos societários.
Lucros crescentes, partilha desigual
Mesmo após reverter prejuízo e lucrar R$ 448,7 mi em 2024 Magalu distribuiu dividendos apenas aos acionistas (família inclusive); o PLR totalizado equivale a uma fração de um trimestre de lucro.
A contradição central
Luiza Trajano costuma dizer que o “propósito” sustenta o crescimento. Mas propósito custa dinheiro. A empresa está disposta a investir em educação, rede de creches, capacitação de mulheres em tecnologia – todas iniciativas de alto impacto social. Entretanto, a estrutura de propriedade continua intocável. Para comparar: cooperativas como Mondragón (Espanha) ou o case da John Lewis (Reino Unido) mostram que é possível equilibrar competitividade com participação acionária dos empregados. No Brasil, poucos gigantes tentam algo parecido (ex.: Natura com planos de ações a todos os níveis administrativos). O Magalu, por enquanto, prefere bônus condicionados a metas – o que mantém a hierarquia do capital inalterada.
O que poderia mudar o jogo?
Caminho | Impacto social | Obstáculos |
ESOP progressivo (1 % do capital ao ano para fundo de empregados) | Alinha interesses de longo prazo, cria poupança e reduz rotatividade | Diluição acionária; complexidade fiscal no Brasil |
PLR indexado a lucro líquido (múltiplo estável sobre o resultado anual) | Participação automática nas boas fases do ciclo | Volatilidade de varejo pode gerar frustração em anos de crise |
Fundo interno de “equidade racial e de gênero” remunerado com dividendos | Financia bolsas, mentorias e equity grants para mulheres e negros | Requer apoio dos minoritários; questões de governança |
A entrevista à CNBC ecoa coerentemente o histórico de Luiza Trajano: ela avançou mais que a média do mercado em diversidade de gênero e raça e mantém uma militância pública rara entre grandes empresários brasileiros .Contudo, quando o tema é igualdade socioeconômica – divisão dos frutos do capital –, o Magalu segue o manual tradicional: família majoritária, stock‑options restritas e PLR enxuto. A desigualdade que Luiza combate fora da companhia ainda sobrevive, em outra forma, dentro da estrutura acionária que ela legitimamente preserva. Num país em que 1 % detém metade da riqueza, talvez a próxima fronteira da “preocupação social” seja exatamente essa: compartilhar, também, o patrimônio que o varejo digital gera. A história mostra que o Magalu não teme pioneirismos; resta saber se a nova disrupção virá do caixa da loja ou da carteira de ações.
Notas: Todos os dados citados são de fontes públicas listadas ao longo do texto; asteriscos (*) indicam a ausência de números atualizados divulgados pela empresa até julho de 2025.
Texto: mostb.com
Comments