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Igualdade social à brasileira: o que (ainda) separa o discurso de Luiza Trajano da distribuição real de riqueza no Magalu


Em maio de 2025, numa entrevista ao Times Brasil – licenciado exclusivo CNBC, Luiza Helena Trajano reafirmou a convicção que repete há décadas: “Sempre me preocupei com a questão social do país; a desigualdade é um câncer que todos governo e empresas – precisamos curar”  Dois meses antes, no B20  Summit, ela ecoara o mesmo tom: “A fome e a desigualdade não são só problema do governo; são responsabilidade de todos nós aqui dentro” 

O Magalu realmente virou um laboratório de ações afirmativas: programa de trainee exclusivo para negros, cota de transição para mulheres em conselhos, rede de apoio a empreendedoras, campanhas contra a violência doméstica. Nada disso é trivial num varejo historicamente dominado por homens brancos. Mas, quando o assunto é redistribuição de capital – participação acionária ou partilha robusta dos lucros – a conversa muda de patamar: a família controladora continua dona de mais de 57 % do capital votante, e o grosso da valorização da empresa não chega à maioria dos funcionários.







Onde o Magalu já avançou

Indicador de diversidade

2015

2019

2025*

Observações

Mulheres em cargos de gerência

34,2 % (546 de 1 597)†

Crescimento vem desacelerando; empresa não divulga dado 2024/25.

Mulheres no Conselho de Administração

29 % (2 de 7)

40 %

Acima da média brasileira (≃ 15 %).

Colaboradores pretos ou pardos


53 % (estável)

Mas só 16 % em liderança, segundo o próprio CEO

*Últimos números públicos disponíveis. †Relatório Integrado 2019 (dados de pessoal).

Esses avanços sustentam a fama de Luiza Trajano como “empresária social”. Ela mesma ironiza: “Se ser socialista é querer igualdade, sou socialista desde os 10 anos” 


Onde o capital ainda se concentra

  1. Controle familiar e voto majoritário

    • Em março de 2024, a LuizaCaslu Participações e demais controladores subscreveram 66 % do aumento de capital de R$ 1,25 bi, elevando sua fatia votante para 57,2 % 

    • No alto escalão, apenas dois Trajanos – Luiza (presidente do conselho) e seu filho Frederico (CEO) – concentram o poder formal de decisão.

  2. Participação nos lucros (PLR) x participação acionária

    • Há um programa de PLR para todos os níveis, mas o pagamento oscila e raramente ultrapassa 1,5 salário/ano glassdoor.com.br.

    • A companhia mantém planos de opções de ações, mas eles são limitados a executivos e “colaboradores estratégicos”. Prova disso é o programa de recompra de até 10 milhões de ações aprovado em maio de 2025 justamente para “cumprir obrigações dos planos de remuneração baseada em ações” investidor10.com.br.

    • Não existe, até hoje, um ESOP (employee stock‑ownership plan) amplo nem um modelo cooperativo em que “qualquer caixa de loja” participe dos dividendos societários.

  3. Lucros crescentes, partilha desigual

    • Mesmo após reverter prejuízo e lucrar R$ 448,7 mi em 2024 Magalu distribuiu dividendos apenas aos acionistas (família inclusive); o PLR totalizado equivale a uma fração de um trimestre de lucro.


A contradição central

Luiza Trajano costuma dizer que o “propósito” sustenta o crescimento. Mas propósito custa dinheiro. A empresa está disposta a investir em educação, rede de creches, capacitação de mulheres em tecnologia – todas iniciativas de alto impacto social. Entretanto, a estrutura de propriedade continua intocável. Para comparar: cooperativas como Mondragón (Espanha) ou o case da John Lewis (Reino Unido) mostram que é possível equilibrar competitividade com participação acionária dos empregados. No Brasil, poucos gigantes tentam algo parecido (ex.: Natura com planos de ações a todos os níveis administrativos). O Magalu, por enquanto, prefere bônus condicionados a metas – o que mantém a hierarquia do capital inalterada.

O que poderia mudar o jogo?

Caminho

Impacto social

Obstáculos

ESOP progressivo (1 % do capital ao ano para fundo de empregados)

Alinha interesses de longo prazo, cria poupança e reduz rotatividade

Diluição acionária; complexidade fiscal no Brasil

PLR indexado a lucro líquido (múltiplo estável sobre o resultado anual)

Participação automática nas boas fases do ciclo

Volatilidade de varejo pode gerar frustração em anos de crise

Fundo interno de “equidade racial e de gênero” remunerado com dividendos

Financia bolsas, mentorias e equity grants para mulheres e negros

Requer apoio dos minoritários; questões de governança

A entrevista à CNBC ecoa coerentemente o histórico de Luiza Trajano: ela avançou mais que a média do mercado em diversidade de gênero e raça e mantém uma militância pública rara entre grandes empresários brasileiros .Contudo, quando o tema é igualdade socioeconômica – divisão dos frutos do capital –, o Magalu segue o manual tradicional: família majoritária, stock‑options restritas e PLR enxuto. A desigualdade que Luiza combate fora da companhia ainda sobrevive, em outra forma, dentro da estrutura acionária que ela legitimamente preserva. Num país em que 1 % detém metade da riqueza, talvez a próxima fronteira da “preocupação social” seja exatamente essa: compartilhar, também, o patrimônio que o varejo digital gera. A história mostra que o Magalu não teme pioneirismos; resta saber se a nova disrupção virá do caixa da loja ou da carteira de ações.


Notas: Todos os dados citados são de fontes públicas listadas ao longo do texto; asteriscos (*) indicam a ausência de números atualizados divulgados pela empresa até julho de 2025.


Texto: mostb.com


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